Existe uma tese que diz que o homem
ocidental foi criado por Shakespeare, na medida em que suas peças estabeleciam
modelos de pensamento, sentimento e conduta que ainda hoje se aplicam a vida
cotidiana. Machado de Assis (1839-1908) fez o mesmo em relação aos brasileiros
em seus romances, sobretudo após a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas em 1881. Machado é importante
porque ele foi além da literatura brasileira, com seus livros ele desvendou as
bases psicológicas nacionais produzindo uma espécie de espelho em pleno século
19 que ainda é possível nos enxergamos nele até hoje.
Os personagens de Machado
ultrapassam os limites individuais para se converterem em metonímias do homem
brasileiro e suas formas de afirmação pessoal, sua relação com a verdade e a
mentira, com a cobiça e a vaidade, com as oscilações entre o bem e o mal, o
absoluto e o relativo numa época de mudanças de valores. Somos todos criaturas
suas, pintados com a pena da galhofa e a tinta da melancolia.
Sua originalidade está em embalar a
profundeza melancólica na leveza humorística: seu descrédito em relação a
natureza humana não se manifesta de forma sóbria, mas sim com a suavidade da
sátira. Sua obra é original porque ele nunca parou de meditar sobre os vícios
de uma sociedade que não muda suas estruturas, e é aí que está a
contemporaneidade de sua obra. Imagino que se ele visitasse o Brasil de hoje
estranharia os avanços tecnológicos, mas ficaria familiarizado com as práticas
da classe política, os bons e os maus costumes do povo, sobretudo sua
capacidade de se deixar iludir por promessas e soluções grandiosas.